The Fun Theory


E se pedíssemos aos jovens para fazerem educação para o trânsito, ao invés de remexermos a velha caixa de ferramentas e torturar as idéias em busca de uma campanha vencedora?

A educação para o trânsito é uma prática cinquentona – um monólogo que lida muito pouco e muito mal com o Século XXI. O que seria dela sem o folder, essa obra-prima centenária do comércio e do marketing??! As pessoas não imaginam o gasto monumental de energia de equipes inteiras de educadores de trânsito para produzir folderes e congêneres. Mas, para quê ?

Os educadores dizem frequentemente que os jovens “falam outra língua“, “vivem em outro mundo“, que tudo que “entra por um ouvido, sai pelo outro“, mas deveriam prestar atenção a seus próprios lamentos. Talvez não sejam os jovens que não nos entendem; nós é que não nos fazemos entender. Esse é um descompasso crescente da educação em geral frente aos seus jovens alunos. Deveríamos parar um instante, respirar fundo, e nos questionar se temos sido capazes de acompanhar o jovem real em seus movimentos de exploração do mundo e de constituição de suas redes sociais, reais e virtuais.

Nada contra os folderes! Mas eles contam um pouco da história de nossa incompetência como comunicadores – algo sobre o que os links da “Educação para o Trânsito” nos websites dos órgãos gestores municipais e estaduais não deixam a menor dúvida. Somos reféns de velhas formas de comunicação, tanto quanto da repetição de velhos conceitos.

A educação para o trânsito ainda patina na pré-história do ciberespaço. problema é que viver de costas para as ferramentas de comunicação diabólicas – youtube, blogs, o irritante twitter, e outras mais que virão – é inadmissível, a não ser que estejamos mais preocupados em educar pais e avós do que crianças e jovens.

Está em jogo a superação de um abismo tecnológico e geracional, não tenho dúvida disso, sem a qual seremos incapazes de explorar a potencialidade de uma revolução – a formação de uma comunidade.

Marketing Viral


Para entender o que é essa revolução, nada mais inspirador do que a sensacional campanha “The Fun Theory” criada pela Volkswagen sueca e pela agência de publicidade DDB de Estocolmo.

A idéia central da campanha é que “a diversão é a maneira mais fácil de mudar para melhor o comportamento das pessoas“. Para provar isso, foram produzidos três “experimentos”, capturados em vídeo, e disponibilizados para a reprodução livre por todos os meios de compartilhamento – especialmente o Youtube. Esse é conceito do marketing viral – de uma mensagem que se espalha com a velocidade de um vírus, em escala planetária.

Os vídeos têm por objetivo incentivar o público a produzir suas próprias experiências, filmá-las e participar do concurso que premiará o vencedor com € 2.500 (cerca de R$ 7.000,00). A participação e a audiência dos vídeos é uma forma de “provar”, portanto, a “teoria da diversão”, conectando-se à nova e ecologicamente correta tecnologia BlueMotion da VW: seus carros são bons para o meio ambiente e divertidos para o motorista.

Os experimentos da “Fun Theory”


Se os degraus de uma escada tocassem notas musicais quando você pisasse neles, você escolheria usar essa escada ou tomaria uma escada rolante ao lado? Podemos fazer mais pessoas usar as escadas tornando isso mais divertido? SIM, podemos.

O experimento campeão da campanha já ultrapassou 4,5 milhões de acessos no Youtube e mostra as pessoas abandonando a escada rolante para “compor” música nos degrau musicais da estação de metrô de Odenplan em Estocolmo – um aumento de 66 % nos usuários da escada-piano-gigante.

O segundo experimento desafia o péssimo hábito de jogar lixo no chão, ao invés de utilizar as lixeiras públicas. Podemos fazer mais pessoas usá-las, tornando isso mais divertido? SIM, a lixeira mais funda do mundo recebeu 72 kg de lixo em um único dia – 41 kg a mais do que a lixeira mais próxima.

O terceiro experimento pretende incrementar a reciclagem de vidro, que é sempre menor do que de vasilhames plásticos ou de alumínio. Pouca gente recicla vidro, talvez porque não se pague nada por isso. É possível mudar essa atitude tornando divertido reciclar o vidro apenas pela recompensa de um sorriso?


Muito criativo. Muito divertido.
Qual experimento você criaria para mudar a atitude das pessoas no trânsito?

© Eduardo Biavati e biavati.wordpress.com, 2008/2013.

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Publicado por

biavati

Sociólogo, escritor, palestrante e consultor em segurança no trânsito, promoção de saúde e juventude.

13 comentários em “The Fun Theory”

  1. Eduardo, muito boa sua reflexão!

    Precisamos repensar as estratégias usadas na Educação para o Trânsito, tanto os recursos educativos, quanto o discurso.

    É preciso parar de valorizar o que não desejamos, o negativo e ENFATIZAR O QUE QUEREMOS QUE ACONTEÇA, as atitudes corretas. Se a frase “Se for dirigir não beba” funcionasse, a realidade no trânsito seria outra. Vamos mudar para uma frase positiva: “Se for dirigir, mantenha-se sóbrio”, por exemplo. Podemos trabalhar essa idéia, fazendo um experimento na faixa de segurança, através de um sensor que reproduza uma música ou uma palavra de agradecimento ao pedestre que atravessa na faixa. Ao motorista que para na faixa, poderia ser exibida também uma palavra ou frase de agradecimento.

    É preciso inverter, a ordem, ou seja, a educação para o trânsito necessita se adaptar aos educadores. Com a carga horária de nossos professores, é querer muito imaginar que eles vão elaborar atividades educativas de trânsito. Precisamos, além de sensibilizá-los para a causa, fornecer ferramentas que facilitem seu trabalho. Quando digo que a ordem precisa mudar, me refiro aos conteúdos transversais, ou seja, devemos verificar o conteúdo disciplinar que o educador está, ou vai desenvolver com os alunos para então fornecer atividades relacionadas ao trânsito e a esse(s) conteúdo(s).

    Por outro lado, falando em jovens, necessitamos buscar estratégias que se adaptem aos seus interesses. É importante motivá-los para conseguir fazê-los pensar. Precisamos parar de ter preconceito contra os eles, nos colocar no lugar deles e procurar entendê-los. Temos que dar oportunidade aos jovens, fazendo-os participar do planejamento e aplicação de projetos e campanhas educativas de trânsito. O jovem necessita “por a mão na massa”, precisa vivenciar. Acredito que dessa forma será mais fácil fazê-lo refletir e mudar de atitude.

    Abraço!
    Irene Rios

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  2. “Os educadores dizem frequentemente que os jovens “falam outra língua“, “vivem em outro mundo“, que tudo que “entra por um ouvido, sai pelo outro“, mas deveriam prestar atenção a seus próprios lamentos. Talvez não sejam os jovens que não nos entendem; nós é que não nos fazemos entender.”

    Será que nós não temos que aprender “a outra lingua”? Será que não temos que ouvir ao invés de falar? Depois de duas filhas, minha experiência com jovens mudou e continua mudando todos os dias…Ouço, pois mesmo sem experiência de vidas elas tem experiência de outros ambientes (colégio) e pessoas (amigos com pensamentos semelhantes). Será que não está entrando no nosso ouvido e saindo pelo outro lado sem que processemos devidamente as informações que eles nos passam?

    É como aprender uma nova língua ou matéria. Para aprendermos, temos que prestar atenção e entender os detalhes por trás de cada uma das lições!

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  3. Eduardo,

    Como sempre, seus artigos nos levam à reflexão e, como educadora de trânsito (que me considero), tristemente concordo com sua crítica sobre a abordagem e o formato das ações destinadas aos jovens.

    Sofremos pressão por todos os lados. Já ouvi, em diferentes fóruns, palestras e seminários, falarem sobre “educação no trânsito” contabilizando o sucesso de campanhas educativas pelo número de folders distribuídos e das faixas fixadas. Também já me perguntaram porque não fazemos mais folders para nossas campanhas, pois quase ninguém conhece o programa de educação para o trânsito e nem suas ações… e toda vez que me deparo com isso, sinto-me deslocada.

    Afinal, apesar de, sim, utilizar o tal folder e a tal faixa, sempre me questiono se o fato de uma pessoa, seja jovem ou não, receber (por imposição) uma informação, até que ponto ela tem algum valor? Além do mais, faixas poluem a cidade (o que torna admirável a proposta de proibi-las em São Paulo) e distraem os condutores…

    Enfim, lendo seu texto me lembrei de um outro, do Rubem Alves, chamado Carta aos pais. Ele diz – e eu tenho como referência quando precisamos planejar e implantar uma ação – que o jovem não está interessado em fazer a coisa certa, ele quer fazer a coisa “dele”. Fazer a coisa certa, então, será confessar uma condição de dependência e inferioridade, o que é insuportável para um adolescente. Ele se sentirá obrigado a fazer o contrário. Ele também compara jovens às maritacas, mas isso é outra história…

    Bom, sei que não se trata somente dos adolescentes, mas os jovens em geral, ou os recém-adultos (sei lá como denominá-los), tendem a rejeitar conceitos impostos, principalmente se o remente for o poder público – afinal para eles, toda a política é suja e corrupta e etc, etc. Quero dizer com isso que vivemos um momento onde ser engajado, seja lá qual for a causa, é quase que um ‘mico social’, pois ainda vale mais o individualismo. E se o jovem entende política pública – de segurança e educação no trânsito, como uma ditadura de regras que ele odeia cumprir, fica difícil mesmo atingir nossos objetivos.

    Levarei seu texto para a reflexão junto a nossa equipe. Devemos sim pensar, inovar… fazer uso das tecnologias que estão aí.

    Abraços
    Fernanda Mayumi

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  4. Cara Fernanda,

    Muito obrigado pela participação!

    Eu fiquei “cozinhando” esse post por uma semana, depois de ter assistido várias vezes aos divertidíssimos vídeos da campanha da VW.

    Imediatamente me veio à lembrança a angústia de tantas educadoras que conheço; me lembrei dos depósitos de material de campanha dos órgãos de trânsito – aquelas saletas abarrotadas de caixas com papéis, uma espécie de cemitério de folderes; e sobretudo me lembrei de como tudo acaba escapando, na melhor das hipóteses, para as mãos dos criadores de uma agência de publicidade… lá onde sempre há recursos razoáveis para a criação, mas nem sempre inteligência.

    Enfim, escrevi para provocar uma autocrítica que eu sei que já está em andamento há algum tempo e apontar o futuro inexorável que teremos que abraçar – a incorporação de outras ferramentas, outras linguagens, outro diálogo, na verdade um caminho para um diálogo que nunca houve.

    Se você leu o caderno de Informática da Folha de São Paulo de hoje, ficou muito claro tudo o que eu quis dize (que sincronia!). Vou fazer um resumo e adicionar essas novas informações a um novo post nos próximos dias.

    Diga para sua equipe que estarei aguardando as conclusões e, melhor ainda, os comentários e depoimentos deles no blog.

    Abraço,

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  5. Olá, Irene,

    Bemvinda ao blog!

    Desculpe nao ter respondido antes ao seu comentário. Há semanas nao encontrava o botão de resposta aos comentários.

    Você tem toda razão: nao educamos os jovens se, para começa de conversa, não gostamos deles, se não nos movemos na direção do diálogo e, claro, da superação de nossos abismos geracionais.

    Participe sempre que quiseres. Ate a proxima,

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  6. Meu chará do coração,

    Faz tempo que estou para te escrever e dizer como você é brilhante!!!
    Desde sua disponibilidade em estar conosco num sábado já faz tempo lá no Recanto com o Augusto, e agora com essas idéias tão refrescantes e revigorantes.

    Li recentemente Gladwell Ponto de Virada, que fala um pouco de tudo isso.

    Você é um ser de muita luz.

    Fica na paz
    Saudades
    Edu

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  7. Prezados companheiros,

    A educação para o trânsito sustentável vem a requerer gestores conscientes de seu papel, dispostos a quebrar paradigmas estabelecidos.

    Apesar das altas taxas de morbimortalidade nas vias públicas, a formação de sujeitos ativos e responsáveis no trânsito ainda não vem sendo merecedora de destaque e atenção especial. A ênfase, que assistimos a todo o instante, é o incentivo na compra de veículos automotores sem a devida atenção ao processo de formação de pessoas.

    Estas evidências cristalizam lacunas na coexistência pacífica sendo capazes de gerar sérios problemas de saúde pública. Os altos congestionamentos e o stress do mundo moderno estão potencializando, inclusive, transtornos comportamentais agressivos de fúria no trânsito.

    Quando será que os gestores irão se sensibilizar para maiores investimentos numa nova proposta de construção de uma educação para o trânsito sustentada na expansão da cidadania?

    Bárbara Vita

    Psicóloga do Trânsito – PE

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  8. Oi, Biavati,

    Ótimo, como sempre. Gostaria que você me mandasse videos semelhantes pois estou com um trabalho, um artigo, cujo tema é a importância da educação como meio fundamental de se chegar a uma mobilidade sustentável.

    Se puder me ajudar agradeço, e se puder me mandar esses vídeos pois não estou conseguindo salvar.

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  9. Eduardo,

    Sou jovem e educadora de trânsito, para mim será um desafio enorme pois estudo na federal de sergipe e meu tema de monografia será a educação para o trânsito.

    Sou jovem , penso jovem , mas sou diferente no meu comportamento sei que a responsabilidade para muitos de nós é confundida com libertinagem, mas também sei que, como eu, muitos de nós queremos um mundo melhor, aliás uma sociedade melhor porque o mundo é muito bonito, mas infelizmente não sabemos viver nele.

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  10. Oi Eduardo,

    Como sempre suas colocações e contribuição para a educação dos nossos jovens em prol de de uma atitude segura no trânsito são fantásticas!

    Esta teoria que você apresentou neste artigo (Fun theory) é de uma criatividade impressionante.

    Fiquei pensando que tipo de equipamento ou que tipo de concurso o poder público ou a própria iniciativa privada poderia lançar, para os jovens, para que a partir deles, uma ferramenta “divertida” poderia levar à mudança de comportamentos destes jovens enquanto condutores ou mesmo passageiros de amigos…

    É sem dúvida um grande desafio, e talvez a criatividade da juventude venha nos dar aos “antigos educadores” que ainda utilizam os folders, uma nova ferramenta de trabalho, com uma linguagem “mais moderna”.

    Fiquei imaginando e pensei: o que aconteceria se nossos veículos só dessem partida se todos os ocupantes estivessem com cinto.Enquanto isto não acontecesse,os bancos “vibrariam” sem parar. até a colocação do mesmo!!!!

    Não sei se é possível, mas é uma idéia!!! Seria divertido ver o pessoal “tremendo” dentro de um carro.

    Sonhar é possível…

    Um grande abraço.
    Rô.

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  11. Oi, Rosângela,

    Estou até agora rindo da idéia de bancos-vibradores…
    Enfim, é disso que eu falava, há um tempo atrás: a educação para o trânsito tem que aprender a olhar além dela mesma, além de seu objeto. Quem disse que só educamos para o trânsito falando de trânsito?

    Em breve nos vemos em Floripa. Abraço,

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