um Estado aquém da Sociedade

Captura de tela 2014-03-18 10.21.04No ano da graça de 2013, a Vara de Delitos de Trânsito de Porto Alegre analisou 7.412 casos de crime de trânsito, segundo levantamento precioso do jornalismo da RBS gaúcha.

Teria sido, além de precioso, altamente esclarecedor se soubéssemos por quanto tempo tramitaram nos corredores da Justiça do Rio Grande do Sul esses sete mil e tantos casos. Não é plausível que tenham aparecido e sido julgados todos em 2013. Não há qualquer razão para supor que os crimes de trânsito trilhem um rito mais célere do que os casos de quaisquer outros crimes. Por quanto tempo terão mofado entre repousos em prateleiras de arquivos de aço, idas e vindas, liminares e data vênia infinitas? Dois anos demora a maioria dos processos até o julgamento? Cinco anos? Dez anos?

Sabemos que mais da metade dos casos analisados (3.882 casos) terminou em algum tipo de acordo, com a determinação de “penas alternativas de prestação de serviço à comunidade”. Se houve “acordo”, suponho, “crime” não pode ter sido, terá sido uma “infração”, já devidamente, esperamos, punida em outras instâncias, administrativas por exemplo, e inclusive monetariamente, com o respectivo pagamento da multa. Ainda que alguns tenham sido amputados, outros sofrido severas lesões medulares ou cerebrais, e uns tantos perdido a vida, fica consagrado assim, mais uma vez, pela Justiça o entendimento geral, compartilhado na maioria dos casos entre agentes inocentes e vítimas chorosas, bem como entre juízes e demais “operadores” do direito, de que tudo não passou de um lamentável “acidente”.

Parece injusto? Parece pouco? Pois o desfecho de outros 40% dos casos de crime de trânsito (3.216 casos) foi menos do que um acordo, não gerando sequer uma singela cesta básica de consolação. Quase a metade de todo o trabalho de investigação policial, perícia técnica e denúncia do “crime” terminou simplesmente arquivado por falta de provas e por outras falhas, materiais e/ou argumentativas, imperdoáveis, pelo visto, na formação do “caso”. “Falta de provas” é o nome do lixão. Dolo? Lixão. Dolo eventual? Lixão. A Justiça, como sabemos, é um domínio da mais pura técnica e rigor racional; não é lugar para aventureiros, nem amadores. Ainda que alguns tenham sido amputados, outros sofrido severas lesões medulares ou cerebrais, e uns tantos perdido a vida, fica consagrado assim, mais uma vez, pela Justiça o entendimento geral de que tudo não passou de um lamentável “acidente”, uma terrível coincidência de inintencionalidades.

Finalmente, 4% dos casos de crime de trânsito (314 casos) chegaram à conclusão judicial, que resolveu pela absolvição de quase metade dos réus (128 casos) e pela condenação de 82 sujeitos – NENHUM deles sentenciados a cumprir a pena de seu crime em regime fechado.

Feitas as contas, eis um CRIME QUE COMPENSA.